De masoquismos pouco percebo. Mas importa distinguir liberalismo de certos conservadorismos (Abril de 2005)
Publicado em 11 abril 2005 por RAF | E-mail this post
Estive a ler com atenção os posts do Rui a. e do JM.
Em boa verdade, o liberalismo compreende bem que o indivíduo não actua de forma distinta consoante esteja integrado na esfera pública ou privada. Em qualquer circunstância, o indivíduo actua sempre em função dos seus interesses pessoais.
O liberalismo, contudo, não tem uma visão negativa do indivíduo.
O liberalismo não se confunde, neste plano, com o conservadorismo, fortemente ligado ao "pessimismo antropológico", tão bem descrito por Burke, e que marca, desde o séc. XVIII, a generalidade das direitas ocidentais. Esta descrença no indivíduo, seja uma espécie de "realismo sociológico", seja derivado da influência marcante do protestantismo, sobretudo nos países anglo-saxónicos, cujo pensamento foi altamente estigmatizado pela sobrevalorização do "pecado original", conduz, indubitavelmente, a uma visão pessimista da natureza humana.
O liberalismo, pelo contrário, não está marcado por este estigma, na medida em que confia de uma forma óbvia nas qualidades do indivíduo, como mola do progresso.
Importa, assim, neste plano, não confundir liberalismo com certos conservadorismos.
O liberalismo, embora não seja pessimista, também não subscreve o "optimismo antropológico" inspirado nas Luzes.
Na verdade, o liberalismo olha com desconfiança para aquilo que é a consagração da "Vontade Geral" de Rosseau, para a alienação que representa a defesa de um "Interesse Público", que é distinto dos interesses privados, e que a estes se sobrepõe. A criação de entes orgânicos, do tipo estatal, com vontades próprias, que interpretam o sentir da sociedade, e que, movidos pela boa índole dos seus agentes, melhoram consideravelmente a sociedade, repugna a qualquer liberal, representando uma evolução para os "Socialismos" e para a "Escravidão".
Há que, finalmente, enquadrar o papel da lei, na perspectiva liberal, e a afirmação do que JM escreve: "A teoria liberal defende finalmente que o que deve regular a sociedade não é a virtude de cada um dos seus membros mas o estabelecimento de regras abstractas e gerais que estimulem a virtude". Embora perceba onde JM quer chegar, importa retirar desta afirmação a expressão "virtude".
O liberalismo não pretende estimular a "virtude" por via legal - seja ela uma virtu aristotélica ou maquiavélica; apenas pretende - sobretudo na configuração actual, neo-contratualista - que as leis - as quais resultam dos consensos básicos gerados na comunidade - permitam ao indivíduo afirmar as suas capacidades, em articulação com os outros, como expressão de liberdade e realização pessoais. A lei mais não é do que um pressuposto essencial para que se possa viver em comunidade, e que impede que se instale um ambiente anárquico próximo do que Hobbes considerava ser o mundo pré-moderno, impeditivo da afirmação individual que não pelo uso da força bruta.
A lei, que estimula a virtude, é ela própria uma ameaça, pois há-de incorporar a previsão de um corportamento virtuoso, ou a proibição dos comportamentos não virtuosos, aos olhos de quem legisla.
A bandeira do liberalismo é a defesa intransigente da liberdade individual; deixemos a lei e a virtude para outras correntes de pensamento.
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