Os conceitos abertos de Liberalismo e Doutrina Social da Igreja:Porque o Liberalismo não é uma ideologia, mas uma espécie de escatologia política aberta, uma corrente de pensamento que acomoda várias tendências e abordagens, com uma tradição plurisecular e multicultural; ao contrário do marxismo, o liberalismo não é uma doutrina de paternidade conhecida, sendo antes “filho” e “neto” de vários pensadores, expresso numa conceptualização ampla e até difusa.
E, do mesmo modo…
Porque a Doutrina Social da Igreja, por seu lado, se apresenta também de uma forma aberta, como um conjunto orgânico amplo, uma acumulação dos ensinamentos da Igreja sobre os problemas sociais da modernidade. Procura ser um auxílio para os cristãos na sua acção temporal; ao colocar-se no plano das “respostas”, e tendo trespassado todo o século XX, é um pouco o espelho do tempo em que foi construída, reflectindo nos seus textos aquelas que foram as tensões verificadas no século mais longo e vivido da história da humanidade; é, em certa medida, o resultado de um diálogo entre o pensamento liberal-capitalista e as diversas asserções do socialismo.
Neste particular, seria interessante analisar, na Doutrina Social da Igreja, quais as abordagens que, tendo tido a sua validade história, poderão estar ultrapassadas; e como é que a Igreja – e sobretudo os seus seguidores – poderão hoje encarar os desafios de um mundo totalmente diferente daquele que Leão XIII observou quando, em 1891, publicou a sua importantíssima “Rerum Novarum”; ou daquele que conduziu, nos anos 60, João XXIII às suas “Mater et Magistra” (1961)” e “Pacem in Terris” (1963), ou Paulo VI até à “Ecclesiam Suam” (1964) ou à “Populorum Progressio” (1967).
Noto ainda que, ao contrário daquilo que é convicção de alguns, os caminhos do Liberalismo e da Doutrina Social da Igreja não são necessariamente dissonantes.
Esta convicção poderá ter algum fundamento histórico, sobretudo no facto de Leão XIII ter escrito a sua “Rerum Novarum” como resposta à situação de miséria do proletariado industrial, criticando o laisser faire, ao mesmo tempo que se afastava do marxismo como solução para aquilo que era a “questão operária”.
É também por demais evidente que, sobretudo nos anos 60 (“Mater et Magistra”, de 1961; “Pacem in Terris” de 1963; “Ecclesiam Suam”, de 1964; “Populorum Progressio”, de 1967) e 70 (em especial a Carta Apostólica “Octagesima Adveniens”, de 1971), mas também nos anos 80 (“Laborem Exercens”, de 1981; e “Sollicitudo Rei Socialis”, de 1987), a Doutrina Social da Igreja foi bastante utilizada para suportar a afirmação constitucional e social dos chamados “direitos de segunda geração” – ou “direitos sociais” – ainda que temperando as suas posições pela consagração – pouco apimentada, na minha visão – do princípio da subsidiariedade.
Agora, também não é difícil encontrar uma forte influência do pensamento liberal em várias encíclicas; destaco, pela sua importância e actualidade, as referências constantes na Encíclica “Centesimus Annus”, publicada por João Paulo II em 1991, onde se sintetizam as respostas da Igreja, cem anos após a publicação da “Rerum Novarum”, a um mundo distinto nascido da desagregação do marxismo. Um dos grandes admiradores do pensamento liberal (embora fundamentalmente neoconservador), o norte-americano Michael Novak, trouxe a público em 1993 uma extensa conversa pessoal mantida entre João Paulo II e Hayek (Prémio Nobel da Economia em 1974 e provavelmente o mais conhecido autor da Escola Austríaca), um pouco antes da morte deste, e que segundo este pensador terá influenciado uma boa parte da “Centesimus Annus”, em particular os capítulos 31 e 32 (cf. Escola Austríaca – Mercado e Criatividade Empresarial, Professor Huerta de Soto, Lisboa, Espírito das Leis e Causa Liberal, 2005).
Rodrigo Adão da Fonseca