Aqui vou guardar alguns dos posts que escrevi no Blasfémias, é não só, e que pretendo ter «à mão». Não vai ter mais do que uma função de aquivo.
O advento do socialismo seria [segundo os seus defensores] um salto do reino da necessidade para o reino da liberdade (…). Para que o homem pudesse ser verdadeiramente livre, o “despotismo da necessidade material” deveria ser vencido, e atenuadas “as restrições decorrentes do sistema económico”.Esta noção de “Liberdade” mais não é do que uma mutação semântica resultante da fusão entre as palavras riqueza e redistribuição. O socialismo pretendia assim acelerar o processo económico, com o objectivo de antecipar as etapas que a revolução industrial não tinha ainda (pretensamente) permitido atingir, usando rótulos e expressões próprias do pensamento liberal. Foi com base na promessa de uma “maior liberdade” – leia-se, mais riqueza e sua subsequente redistribuição, que permitiria ultrapassar o estado de necessidade – que o socialismo seduziu diversos intelectuais e se afirmou como doutrina dominante.
“Social gains”, “social aims”, “social objectives” have become the daily bromides of our language. The necessity of a social justification for all activities and all existence is now taken for granted. There is no proposal outrageous enough but what its author can get a respectful hearing and approbation if he claims that in some undefined way it is for “the common good”. (Via A Arte da Fuga)
Todas estas ideias, apresentadas por Hayek (cf. op. cit.) nos anos 40, ganham no nosso contexto particular acuidade.Para lá do indivíduo, fora da responsabilidade pessoal, não há nem bondade nem maldade, nem possibilidade de mérito moral.
(...)
[Pergunto]
(...)
Será que existe um valor moral na decisão se não formos responsáveis pelos nossos interesses e livres para sacrificá-los?
Que altruísmo existe quando este é praticado à custa do esforço de terceiros?
A responsabilidade – não perante um superior, mas perante a própria consciência – a compreensão de um dever não imposto pela coacção, a necessidade de resolver qual das coisas a que damos valor devemos sacrificar a outra e aceitar as consequências da nossa decisão – eis aí a essência de toda a regra moral digna desse nome.
O amor — caritas — será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa. Não há qualquer ordenamento estatal justo que possa tornar supérfluo o serviço do amor. Quem quer desfazer-se do amor, prepara-se para se desfazer do homem enquantoÉ este o regresso ao individualismo que me motiva. Que gostava, também, que fosse o vosso.
homem. Haverá sempre sofrimento que necessita de consolação e ajuda. Haverá sempre solidão. Existirão sempre também situações de necessidade material, para
as quais é indispensável uma ajuda na linha de um amor concreto ao próximo. Um Estado, que queira prover a tudo e tudo açambarque, torna-se no fim de contas uma instância burocrática, que não pode assegurar o essencial de que o homem sofredor — todo o homem — tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal. Não precisamos de um Estado que regule e domine tudo, mas de um Estado que generosamente reconheça e apoie, segundo o princípio de subsidiariedade, as iniciativas que nascem das diversas forças sociais e conjugam espontaneidade e proximidade aos homens carecidos de ajuda. A Igreja é uma destas forças vivas: nela pulsa a dinâmica do amor suscitado pelo Espírito de Cristo. Este amor não oferece aos homens apenas uma ajuda material, mas também refrigério e cuidado para a alma — ajuda esta muitas vezes mais necessária que o apoio material. A afirmação de que as estruturas justas tornariam supérfluas as obras de caridade esconde, de facto, uma concepção materialista do homem: o preconceito segundo o qual o homem viveria “só de pão” (Mt 4, 4; cf. Dt 8, 3) — convicção que humilha o homem e ignora precisamente aquilo que é mais especificamente humano.
CARTA A ÍCARO
Caro Henrique Raposo,
No teu texto, critiquei apenas duas das ideias que apresentas:
i) a suposta semelhança entre Hayek e certos neo-marxismos, ideia que, sem desprimor por V. Exa., carece de fundamento científico - apresentada, utilizando as tuas palavras, com uma confrangedora fragilidade de argumentação - mas que de tanto ser repetida na credível blogosfera portuguesa, qualquer dia, na lógica do «reconhecimento inter-subjectivo» que anda tão em voga, ainda se torna numa meia-verdade; como não conheço nenhum autor relevante que tenha deduzido essa crítica a Hayek, achei que poderia ser útil fazer esta ressalva, explicando as diferenças essenciais entre o processo dialéctico, historicista e fechado do marxismo e a matriz aberta, assente na ordem espontânea do abordagem de Hayek (ideia que se cruza também com a parte III);
ii) a hiperbolização que fazes do papel do Estado na actual globalização e a visão que lhe subjaz (que se cruza, também, com a parte III): De nada no meu texto resulta que os Estados não têm o seu papel no actual processo de globalização; apenas digo que o Estado é um dos players da globalização, a par de muitos outros, num processo onde se constata tem perdido capacidade de controlo, muito longe da margem de manobra que dispunha o Estado Soberano do século XX. Podes sempre defender que, na tua visão política das coisas, o Estado tem um papel de relevo, e que deveria ter um papel maior - o que é uma posição legítima; agora, quem seja deste mundo verifica que o Estado, na cena política mundial, teve de «descer uns degraus» para entrar na interacção com inúmeros outros centros de poder que ganharam peso nos últimos trinta anos. Não sei se no futuro o Estado se vai desagregar, vai recuperar a sua posição, se vai implodir. Todos os cenários são possíveis. Limitei-me a apresentar a perspectiva de quem vê múltiplos agentes em actuação e constata que nem sempre - e cada vez menos - a vontade do Estado é aquela que se impõe no mundo real. Sem mais qualificações.
Não fiz em ambos os textos, onde apenas pretendi apresentar uma visão diferente (como aliás bem frisei aqui ser a minha intenção), nenhuma critica pessoal, nem há nada, nem uma só linha, que te diminua enquanto pessoa (o mesmo já não acontece no teu post, mas paciência).
Não vou responder a uma parte significativa do teu texto, porque pessoalmente a forma como está escrito e o seu tom acintoso o desqualifica para uma discussão séria.
Apenas te esclareço, porque isso coloca em causa a minha idoneidade, que ao longo da vida já me submeti a muitas «aulas» de história e de política internacional, e de muitas outras coisas que tu nem sabes que existem, tendo sido avaliado por verdadeiros professores, em Portugal e no estrangeiro, e a sua apreciação entre outras coisas me habilita, de acordo com os regulamentos em vigor na universidade que frequento, a Católica, e caso fosse essa a opção, a um doutoramento; infelizmente, acumulo este meu interesse pela ciência política com aquilo que é a minha actividade principal, uma profissão qualificante e exigente, e que é o meu verdadeiro centro de afirmação, e que na gestão das prioridades me impede de ir mais além. Ainda assim, é desagradável que conduzas uma mera discussão de ideias a um ponto destes, diminuindo desta forma quem se dá ao trabalho de debater contigo. Achas bem entrar por esse campo?
Pensava que era possível discutir ideias contigo, com uma certa abertura, mas vejo que és mais um nome a abater na minha lista de pessoas com interesse; afinal, não tens o nível que aparentavas. Espero que continues fascinado com o teu próprio conhecimento e com o teu brilhantismo. Paciência. É a vida.
Rodrigo Adão da Fonseca
CARTA A ÍCARO II
Meu caro Henrique Raposo,
No meu post anterior procurei separar bem as águas, dando-te nota das duas críticas centrais que fazia aos teus posts, tentando recentrar a discussão que tinhas conduzido entretanto para a estratosfera. Na tua resposta voltas a baralhar tudo, para voltar a dar:
i) Em relação à segunda crítica que te faço, dizes que não falaste em Hayek, mas em Friedman e Bentham; curiosamente, nos argumentos que utilizei em relação a esta questão, eu próprio não falei em Hayek, como poderás constatar aqui; não percebo porque razão agora dizes que não falaste em Hayek: olha, eu também não.
ii) Apenas chamei Hayek à colação na crítica que faço à afirmação corrente que procura estabelecer semelhanças entre este autor e o pensamento marxista; algo que nunca nenhum autor de renome - vivo ou morto - escreveu; esta crítica, para poder ter algum fundamento, deveria estar na minha óptica melhor fundamentada: a menos que consideres ter neste plano descoberto a roda, a tal roda que os próprios críticos de Hayek nunca encontraram (e que bem arremessada o teria matado do coração, certamente).
iii) Quanto às restantes considerações que fazes, não perdi demasiado tempo a lê-las, porque são faltas de nível que só servem para te encher o ego e, eventualmente, estimular a tua auto-estima e sentido de masculinidade; são contudo irrelevantes de tão afastadas que estão daquilo que eu sou e da minha maneira de ver as coisas. Estás convencido que me deste uma bela reposta. Muito bem, sem dúvida. Se o Rui e o Helder consideram dignas as tuas afirmações, isso é lá com eles. Do que li, aqui, tenho dúvidas que neste momento tenham assim tão grande consideração pela forma «respeitosa» como escreves, e que estejam tão bem impressionados com a tua pessoa e com as tuas boas maneiras; agora, nestas coisas liberais, cada um fala por si. Ainda assim, lendo tudo o que produziste sobre este tema, tenho dúvidas que o teu problema seja comigo. Acho que é mais contigo. Mas, se queres saber, tanto me faz...
iv) Podes falar de virgens em bordéis, de lobos maus, de vítimas e carrascos, dar cambalhotas, fazer o pino, mostrares a pilinha aos teus amigos, andar com eles nu de mota, ler a The Economist no w.c., dar a volta ao mundo em citações mirabolantes, demonstrando essência em cada píxel que preenches, tentando assim chamar a atenção do cosmos para o teu génio, que o que fica para mim desta discussão - e isso é que conta - é o ressentimento e a forma como me procuraste diminuir como pessoa. O que lá está escrito, lá está, e não foi elegante. Em tudo o que eu escrevi, não encontras nada que te diminua. Nem que te ponha em causa.
Mais do que diferenças ideológicas, são outras as que nos separam.
v) Estás riscado por isso da minha lista. Não por diferenças ideológicas - aliás, sempre consegui manter saudáveis discussões com muitas pessoas fora do meu quadro de pensamento, chegando em geral a (des)acordo sem animosidade - mas porque dela não consta quem me diminui. Mas fica sossegado, que não te vou riscar da minha lista no sentido marxista do termo